Monday, June 28, 2010

Cores (ou o branco da mistura)

Quando a cabeça cede, e a vontade deixa de ser leme e dono, as palavras atropelam-me.
Saudades de páginas em branco, de finais de tarde em que a minha vida se preenchia em letras que se misturam em realidades por mim desenhadas.
Não me lembro onde comecei, o que fiz para forçar os meus passos até aqui, e como travei o pescoço, impedindo-o de olhar para trás.
Não gosto de dias de sol.
Odeio cidades cheias de vida, sorrisos estampados, como o teu que se recusa a olhar-me.
Recordo paredes vazias onde o sentido era só meu.
Paredes brancas são mais fáceis de pintar.
Cheiro a fritos, caminhadas a passos largos, bandas sonoras que os ouvidos tapam, como se tudo o que foi fosse só isso: um fantasma.
Cobri-te de preto, fechei-te a sete chaves, como se fosse meu o poder de te reinventar.
Dias simples são os de chuva.
A tinta mistura-se com a água.
É tão mais fácil tirar sentido do que ninguém vê!
Borrões, formas imperfeitas, cabelos que não os meus misturam-se com o olhar que deixei outrora.
Nada meu se revê.
Força, trava, pinta, e apaga.
Se reinventar-te fosse simples, pintava-me de preto também.
Mas a água escorre, arranca a tinta dos meus braços
(ouço unhas a estalar)
O que sobra cobre-te de tão pequeno.
Guarda as fotografias como se cumprisses promessa.
E cobre-as de preto no fim.
Deixa-as ser vazias.
A cor nunca te valeu de nada.