Wednesday, January 20, 2010

Aquele que lê... ou o regresso às críticas cinematográficas

Muito foi escrito e dito sobre a nova obra de Stephen Daldry. Admitamos que o legado não é fácil: superar as “Horas” como ele as contou – ao segundo – é tarefa quase impossível. Superar um trio de gigantes, como Julianne Moore, e as suas sardas inconfundíveis, Meryl Streep (antes, bem antes, de Mama Mia), e Nicole Kidman com o seu nariz a transpirar carácter, poderia ser quase uma loucura. Mas Stephen Daldry decidiu arriscar. Se pôs o pé fora do abismo é mais questão de gosto pessoal do que de competência de realização.
Revela-se extraordinária a capacidade de retratar uma história de pedofilia tão declarada, e ser bem sucedido a evitar a polémica. O espectador não vacila, não duvida, não chama a moral para intervir. Vê e envolve-se numa relação estranha, desconhecida, quase muda de cumplicidade, em que tudo é dito e feito sem perguntas, ou envolvimento real. As palavras, essas, só surgem das centenas de livros a que naturalmente a escola aos 15 anos obriga. E é aqui que vemos a verdadeira partilha, aquela que ousa para além do sexo, aquela que abre a porta a lágrimas e discussões, a palavras que ditam sentimentos, a questões inseguras, e a um assumir quase a medo do futuro. Esta evolução quase galopante não permite sequer que nos questionemos se há honestidade no que sentem. A velocidade mantém-se constante e coerente com o final abrupto de uma relação precoce que atropela tanto protagonista como espectador. Porque nunca houve palavras, além das que outros escreveram. Não houve surpresa, apenas dor. Mas uma dor que era ainda incapaz de se sentir criança face à dor que o futuro guardava.
Qualquer tentativa de desenvolvimento a partir daqui arruinaria o efeito surpresa. Livro brilhante, resultado cinematográfico aquém das expectativas. Ainda que a gigante Kate Winslet (que é das melhores e mais versáteis actrizes – e que não foi devidamente valorizada pelo extraordinária mulher entupida de sonhos em Revolutionary Road) faça o filme, não sem dar a mão ao brilhantemente expressivo David Kross, e sem quase ser levada ao colo por Ralph Fiennes, o filme peca pela ingenuidade. Há um silenciamento da dor que é quase incomodativo. As personagens são mudas, e meros peões de marionetistas que se esquecem não serem elas feitas de madeira.
Ela não grita, nem chora. Não como a vida a obrigaria a gritar e a chorar. Ele é incapaz de pedir justificações, porque a vida o obrigou a desviar-se e esquecer. E o reencontro, ainda que coerente com toda a ausência de palavras próprias em discurso directo, desilude. Seria a frieza e o entorpecimento tanto do amor como, e talvez sobretudo, da vida, a mensagem? Talvez… Mas não convence. Falta falar da culpa, e da cobardia. E, isso, é (quase) imperdoável.